CORVETTE, "EXPERIMENTE O NIRVANA"

Post originalmente feito para o AUTOentusiastas.

 

Um cara, quarentão, ralando muito no trabalho, totalmente estressado, e de tanto estresse, ficando meio gordinho, com os cabelos caindo e constantes dores nas costas. E antes que sejam maldosos, todo o resto funcionando muito bem! Aí surge uma viagem a trabalho para a Califórnia. Para um trabalho empolgante, mas puxado. Mas esse cara tem sorte; o trabalho acabaria na sexta-feira e o vôo de volta, só no domingo.

Ao fazer o check-in pela internet apareceu um código de desconto para aluguel de carros na Avis. Sábado livre e desconto no aluguel. Corri para o site da Avis e procurei o Challenger. Isso porque durante férias anteriores já aluguei um Camaro e alguns Mustangs. Naturalmente faltava o Challenger para que eu pudesse ratificar minha preferência (emocional) pelo Mustang. 

O Challenger teve que esperar!

Fiz a consulta para um R/T V-8 e sairia por 260 dólares. Desci mais um pouco na tela e surgiu a opção do Corvette. Esse eu (e quase todos os leitores) sempre tive vontade de ter. Acho que me tornei um autoentusiasta quando vi um Corvette Stingray Azul 74 pela primeira vez, quando era um garotinho. E vejam só! Após fazer a simulação idêntica a do Challenger, o preço que saiu lá, por um dia de aluguel, foi de 213 dólares. Reservado! Um C6 coupê. O Challenger que espere. Ou alguém teria feito diferente?

Obrigação feita, e muito bem feita chegou o esperado sábado. Conforme programado, pouco antes das nove da manhã chegamos no balcão da Avis. Eu e meu colega, o Fernando.

Aqui vale um comentário, pois pode ser o caso de algum leitor mais comedido. O Fernando só alugou minivans todas as vezes que foi para os Estados Unidos. Inconformado eu perguntei que tipo de prazer ele sentia ao se aproximar de uma minivan segurando a chave do trambolho na mão. Nenhum, é claro. Nenhum prazer, nenhuma sensação, nenhuma emoção, nenhum poder, nada! OK, ele tem dois filhos e precisa de espaço para a mala das compras. Sem problemas, que alugue ao menos um SUV com cara de mau, ou com cara de aventureiro, mas que cause alguma emoção! Muitos acham que é caro! Caro? Quanto é caro? Quanto vale um prazer? Eu expliquei para ele que nas férias não podemos economizar felicidade. Se tiver o dinheiro, gaste bem, se sinta feliz. Um homem de família também precisa de prazeres. Bem, tudo isso foi antes ainda de pegarmos o Corvette.


V de velocidade, vitória, vigor, vontade, vida, V de Vette!

Como tínhamos apenas um dia, eu não quis me preocupar em gastar tempo para reabastecer o carro na volta eu comprei o tanque cheio. Uma dica. Recentemente as locadoras ajustaram os preços do combustível para um valor muito próximo do que é vendido nos postos, então, se a intenção é esgotar o tanque, vale a pena comprar o tanque cheio e devolver no osso sem se preocupar em reabastecer antes. No caso do Vette o tanque custou 69 dólares.

Considerando minha ansiedade e o motor V-8 de 430 cv, resolvi fazer aquele seguro extra por mais 18 dólares. E aí descobri que para o Corvette apenas as 100 primeiras milhas são isentas de custo. A partir daí são 67 centavos de dólar por milha. Rodei quase 300 milhas e a conta final deu 430 dólares!!! Mas eu dei sorte mais uma vez. Meu colega, após o imenso prazer desfrutado por ele, se prontificou a pagar a metade. Como eu dirigi 95% do tempo fiquei meio sem graça. Mas ele me disse valeu tanto a pena, e estava com um grande sorriso de satisfação, que eu aceitasse logo as duas notas de 100 que ele segurava. 

Quando chegamos na Avis a placa na capota dizia "Upgrade to this cool car",
que eu traduzi para o Fernando como "aproveite a vida"
 

Ainda não falei do carro... mas vai mais uma dica. Sempre que estiverem alugando um carro façam duas solicitações. Primeiro perguntem se tem alguma unidade com caixa manual. Em 100% dos caso não tem. Mas perguntar não ofende. E depois solicitem o de menor milhagem (quilometragem). A chance de pegarem um carro novinho e sem problemas é bem maior. No caso do Corvette tive sorte. Me deram um amarelo com apenas 832 milhas (1.331 km).

Fomos para o estacionamento e lá estava ele, um C6 Coupê na cor Velocity Yellow. Dei sorte de novo, pois a cor é demais. Interessante como o Corvette fica bem em amarelo, desde a geração anterior. E para minha surpresa tinha o teto removível. Sorte de novo! Eu não sabia disso quando reservei o carro, mas todos os C6 coupê têm o teto rígido removível manualmente e que se acomoda no imenso porta-malas.

Mostradores simples e diretos, como quase tudo no Corvette,
Assim que entrei no carro tirei essa foto para  registrar  a milhagem

Aí aconteceu algo engraçado. Demos uma baita manézada que eu decidi contar, pois foi bem engraçado. O carro estava embicado numa vaga escura e eu não via os comandos. Liguei o carro no botão de partida e não encontrei a alavanca do freio de estacionamento onde ela deveria estar. Meti o pézão lá do lado esquerdo e nada de pedal do freio de estacionamento, tipico de carros americanos. Procurei por um botão (imaginei o acionamento elétrico) no console, no painel, na parte de baixo do painel, desci do carro para procurar alguma alavanca escondida embaixo do painel e nada! Eu não admitia ter que recorrer ao manual do proprietário para achar o acionamento do freio de estacionamento.

Mas como o relógio estava avançando e o tempo de direção estava sendo consumido, abri o porta-luvas. Claro que o manual não estava lá. Já irritado com ma minha incompetência me rendi e fui procurar alguém da Avis para desbrecar o carro. O cara não entendeu muito bem minha pergunta (estúpida) mas foi lá. Nesse percurso eu só fui imaginando que o botão estaria na minha cara mas eu não conseguia enxergá-lo. O cara abriu a porta e apontou a alavanca do freio no console central. Inacreditável!!! Eu sabia que isso iria acontecer, que eu me sentiria um idiota. Mas dá pra explicar. A alavanca é bem do lado direito do console, como se o carro tivesse direção do lado direito. O meu colega encostou a coxa esquerda na alavanca e no escuro ela ficou invisível. Reparem na foto abaixo. Rimos muito da situação. Acho que a ansiedade também contribuiu para minha cegueira. 

A alavanca do freio lá do outro lado, isso é lugar?

Ao ligar o carro e acelerar deu logo para perceber o ronco maravilhoso do motor LS3 small block todinho de alumínio, 6,2-litros com 436 cv a 5.900 rpm. Olhei para o Fernando, pensei numa minivan e balancei a cabeça sem falar nada. Saímos em direção ao Vale do Napa, uma região bem próxima de São Francisco e que é repleta de vinícolas de alta qualidade. Sempre quis ir lá mas nunca deu certo.

Saímos do aeroporto internacional em direção a São Francisco pela 101. Já percebi a suspensão durinha.  Mais do que a do Mustang GT da última viagem. Um esportivo mesmo. Pra quem não sabe, algumas estradas da Califórnia estão bem piores que as de São Paulo, cheias de rachaduras e remendos. Num primeiro momento achei que a suspensão poderia ser mais macia. Mas depois de um tempo me acostumei com a sensação de estar sempre disposto a acelerar forte e sem hesitação. E o desconforto não era tão grande assim.

Já me sentindo numa pista e aparece uma minivan na minha frente

Comecei então a brincar com o acelerador. Alavanca da transmissão no modo sport e estilingadas sem avançar muito além de 80 milhas por hora, velocidade em que a maioria anda nas estradas. Já disse aqui antes que para mim não importa muito a quanto um carro vai, mas como ele chega lá. E nesse ponto o Corvette responde incrivelmente. Há borboletas no volante. Mas numa configuração pouco usual atualmente. Em ambos os lados é possível subir (com o polegar pela frente do volante) ou descer as marchas (com os outros dedos por trás do volante). Como estou acostumado a subir pelo lado direito e descer pelo lado esquerdo, e sempre por trás do volante, me atrapalhei várias vezes. Mas acho que com um pouquinho mais de tempo seria fácil de se acostumar. O importante é que a caixa, automática, de seis marchas, é precisa e compatível com a empolgação do motor.

Eu gosto de manter o carro sempre com o giro mais alto, sempre cheio. E nesse Corvette isso significa um som do escapamento bem mais encorpado. Notei que toda vez que passava das 3.500 rpm o som melhorava, e o motor enchia com muito vigor. Numa das paradas olhei o escapamento, quádruplo central, lindo, e notei que nos dois do centro há duas válvulas pneumáticas. Até que bem aparentes, talvez propositalmente, já que é um opcional. Essas válvulas atuam conforme a rotação do motor. Abaixo de 3.000 rpm  (ou próximo disso) ficam fechadas e abafam mais o som. Quando abertas o som fica como gostamos e há um acréscimo de potência passando dos 436 cv para 442 cv. Adorei esse brinquedo!

Escapamento central e válvula de controle do som do escapamento

Continuando o passeio reparei num logo diferente no conta-giros e no velocímetro. O logo do Corvette com um 60. É claro! O Vette nasceu em 53, e o modelo do meu coupê era 2013. Mais tarde vi que os logos nas soleiras das portas e no capô também tem a inscrição 60. Essas coisas da GM são legais. Aumentam o entusiasmo. Descobri também que um dos opcionais do Corvette é o número de série (VIN) customizado. Pode-se solicitar um número especial, desde que esteja disponível. Quem mais poderia fazer isso senão a GM!? E ainda dá para solicitar uma entrega especial no Museu do Corvette! Que outro carro tem um museu só dele!?

Ainda no início do caminho brinquei com o HUD – Head-Up Display, que projeta informações no pára-brisa. Há três modos de exibição, street, track 1 e track 2. Estes últimos com o conta-giros e informações de temperatura do motor e pressão do óleo. Depos de um tempo me acostumei a olhar lá e esqueci dos mostradores no painel. Essa é uma tecnologia que já deve estar bem barata e ajuda muito na visualização das informações sem desviar os olhos da pista.

HUD - Head-Up Display

Seguimos para Napa e a paixão pelo Corvette só foi aumentando. E o Fernando curtindo cada vez mais. No caminho paramos num outlet para umas compras rápidas. Camisas sociais de qualidade por 29 dólares não dava para deixar passar. Acabamos logo com isso e fomos a procura da vinícola Chandon. Procuramos  essa porque na noite anterior tomamos um Pinot Noir produzido por ela e de excelente qualidade. Logo a encontramos.

Um lugar lindo com um restaurante bacana. Mas estava cheio e demoraríamos demais ali. Eu queria é rodar. Enquanto o Fernando examinava os vinhos eu consegui um mapa da região e umas dicas de estradas bonitas (scenic roads), pois a estrada principal, apesar das vinícolas, é reta e movimentada. Entenderam minha intenção, não é? Convenci o acompanhante a se decidir e comprar logo duas garrafas do Pinot Noir para sairmos dali. Quando chegamos no estacionamento o céu estava mais aberto e o ar numa temperatura mais agradável. Foi a deixa para removermos o teto. Facilmente soltamos três pontos de fixação e o encaixamos no porta-malas, por cima das compras. Coube fácil e ainda sobrou espaço. 

Um carro esporte com muito espaço; teto coube bem no porta-malas

Uma das grandes vantagens do Corvette sobre seus concorrentes é o porta-malas. Ontem comentei com o Ralf, dono do quiosque onde tomo café e que sabe tudo de todos os carros, e ele me disse que esse porta-malas acomoda mais de 600 litros. Imaginei que ele estivesse redondamente enganado. Mas agora verifiquei e é isso mesmo, pelo menos é a informação que está no site, incríveis 634 litros.

Sem a capota a felicidade foi aumentando. E o Fernando se entusiasmando. saímos da principal e pegamos um trecho de uma estrada chamada Silverado Trail (vem daí o nome da picape Chevrolet) e logo depois começamos a subir por uma estradinha sinuosa e quase deserta. Como o Fernando não manifestava nenhum temor a cada investida minha no acelerador, fui me empolgando cada vez mais. Até o meu temor me limitar. Talvez ele não soubesse que a minha confiança estava mesclada com um certo medo. E justamente esse medo é que libera a adrenalina. E a adrenalina nos faz bem! Pode ser que ele também estivesse com medo, mas gostando disso.

Estradinha bacana!

Depois desse trecho seguimos mais na manha, contornado uma represa. Eu procurava um bom lugar para fotos. Confesso que nessa viagem eu não queria muito me preocupar com fotos, tanto é que nem levei minha Nikon. Preferi andar leve com minha nova portátil Canon G1X. E também queria relaxar do peso que carrego com as expectativas minhas e dos outros sobre minhas fotos. Também usei muito o celular e o Instagram, para compartilhar instantaneamente com os amigos.

Bem, passei um pouco rápido por um bom lugar. Parei no acostamento, desliguei o controle de tração, primeira marcha, pé esquerdo no freio e direito no acelerador, e a vontade de riscar o asfalto ao fazer um retorno cruzando a pista. Mas assim que soltei o pedal do freio apareceu uma indicação que logo sumiu: "competitive mode". E o carro saiu tracionando sem patinar, ao contrario da minha expectativa. Sem o manual do proprietário para consultar, eu concluo que a rotina que eu fiz acionou esse modo de competição que deve ser similar a um controle de largada, para arrancar com o máximo de tração possível. Pelo menos evitou que a minha manobra não acabasse mal.


 Logo encostamos e eu desci do carro, assim como o Fernando. Ele me perguntou por que eu sempre deixava o carro ligado. E eu respondi que era para não ficar enrolando nas paradas e, naquela parada específica, para a ventoinha resfriar o motor. Assim que retomamos à viagem serpenteando a represa, o display do painel mostrou outra mensagem, agora indicando que o pneu dianteiro esquerdo estava com alta pressão, e logo depois que o traseiro direito também. Bem, sinal que a lenha foi boa a ponto de aquecer bem a borracha.

Segui me divertindo nas curvas, com o acelerador, as marchas, o ronco do motor nas reduzidas e de tempos em tempos me atrapalhando com as borboletas no volante. Suspensão e direção impecáveis. E o vento refrescando o calor do sol. Olhei para o Fernando e disse: "na próxima parada você pega o carro". Ele não quis ainda. Sorte minha. Começamos a descer a montanha e escutamos uma sirene. Ih! Me pegaram, eu pensei. Mas era uma Dodge RAM dos bombeiros, que logo foi seguida por outros carros de bombeiro atrás de algum foco de incêndio. Pensei que o foco pudesse estar nos meus pneus. 

6,1 km/l mesmo mandando brasa!

Na descida, muito sinuosa, os dois começaram a enjoar. E para não complicar a nossa vida mudei a alavanca para o modo automático e desci bem na maciota, já umas quatro da tarde. Nessa hora consultei o consumo no computador de bordo. Mesmo com as lenhas e o meu modo binário de controlar o pedal do acelerador, o mostrador indicava incríveis 14,3 milhas por galão, equivalentes a 6 km/l. Isso num V-8! Esse motor LS3 é sensacional. 

Apesar da frente longa o incrível LS3 fica bem recuado, quase totalmente atrás do eixo dianteiro

Terminando a descida passamos por uma cidadezinha simpática chamada Santa Helena e paramos num tipo de padaria que vende produtos orgânicos. Eu queria mesmo um belo e suculento hambúrguer do In N Out, uma rede da Califórnia a qual recomendo. Mas o lugar era legal e decidi entrar na onda. Comprei um sanduba natureba e não achei nenhuma bebida conhecida. Vi uma com uma tampinha que dizia "Felicidade numa garrafa" e no rótulo estava escrito algo como "experimente o Nirvana". Peguei essa achando que seria possível ficar mais feliz do que eu já estava. As vezes sou muito ingênuo. A bebida era horrível e não senti nada a mais. Talvez porque já estivesse no máximo da felicidade. Bem que o Corvette poderia vir com essa mensagem estampadas em algum lugar!

Felicidade e Nirvana numa garrafinha? Não é tão fácil assim.

Depois de alimentarmos a alma com o passeio e o corpo com o sanduba colocamos o teto e partimos satisfeitos para o regresso a São Francisco. Agora, que estava trânsito, o Fernando no volante e eu só curtindo esse estado de satisfação. Pegamos um trânsito intenso e eu só fiquei imaginando um jeito de cortarmos caminho pelas montanhas, em direção a Sonoma. Mas decidi sossegar. Foi aí que descobri uma rádio fantástica, por satélite, que só tocava músicas legais do anos 90, U2, The Cure, Depeche Mode, Police, New Order, Talking Heads e similares. Isso num som premium Bose. Caramba, se melhorar estraga.

Já na direção de Sonoma o trânsito liberou. Apareceu um descidão sem absolutamente nenhum movimento e eu não vi placas de limite de velocidade. Fernando, bota esse Corvette pra andar! Quero ver 100 aí no velocímetro! E o Fernando se soltou, 70, 80, 90, quase 100. Mas o trecho acabou. A essa altura o Fernando já estava pilotando e ao som de uma música bacana balançava a cabeça. "É, Keller, vou fazer isso mais vezes quando eu viajar. Não vou economizar felicidade!", disse ele. 

C6 e C5 lado a lado

Depois disso passamos pela Golden Gate, totalmente encoberta pela neblina típica da região e paramos em São Francisco, onde jantamos. De lá partimos para o aeroporto pela autoestrada 101. De noite, devorando a estrada, os dois calados, nossas cabeças povoadas lembranças frescas de momentos inesquecíveis, e começou a tocar a música "Enjoy the Silence", do Depeche Mode. Aumentei mais o som, acelerei e pensei no dia memorável que tivemos. Simplesmente esqueci de tudo que mencionei no primeiro parágrafo desse longo texto.

Não acho que todo esse efeito foi causado apenas por um carro, mas sim pela combinação de diversos fatores. Mas o Corvette, sessentão, parece um rapagão de 18 anos. Tem uma história gloriosa e rica. Faz parte integrante da cultura de um país que preza a liberdade. É ao mesmo tempo tecnológico, mas com um grau apropriado de imperfeição. Deve ter alguns defeitos, mas preferi ignorá-los e explorar apenas suas qualidades. A todos que passaram a desgostar da GM nas últmas décadas, nunca se esqueçam do Corvette. Ele é mais que um carro.

Caso alguém queira a dica de como fazer esse passeio no link está o percurso aproximado do caminho que fiz: http://goo.gl/maps/iHRlb 
PK





















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