RESSONÂNCIA DA PAIXÃO

Fotografo desde 2003 e por muito tempo usei apenas meu instinto e minha vontade. Durante inúmeras viagens a trabalho encontrei na fotografia uma atividade muito prazerosa que me ajudou a prestar muito mais atenção no mundo. De início tirava fotos dos lugares que visitava para mostrar para parentes e amigos. Mas logo percebi que quase ninguém aguenta ver mais que vinte fotos de experiências vividas por outra pessoa. Então passei a fazer fotos apenas para mim.  

Em 2008 resolvi fazer um curso para entender porque algumas fotos ficavam muito melhores que outras e assim poder ter um maior controle sobre a câmera para conseguir repetir a qualidade das fotos boas. Logo na primeira aula o professor explicou que ele poderia ensinar apenas a técnica fotográfica. A qualidade de uma foto também depende de uma bagagem cultural que se acumula em nossas vidas e da maneira como vemos o mundo. Quanto a essa carga cultural  ele não poderia fazer nada. Isso me marcou.

Pensei em qual seria essa minha bagagem ou de onde vinha minha inspiração. Com certeza não vieram de museus ou exposições de arte. São várias: contato com a natureza, praias, filmes de surf, arquitetura (já pensei em estudar arquitetura), livros de fotos, livros de fotos de carros, e muitas outras fontes, coisas do meu dia-a-dia. Duas são mais marcantes: o desenho, ou design, de automóveis e capas de discos. Essas duas coisas sempre foram constantes em minha vida. 

Sou da época do vinil, e as capas dos discos em vinil sempre foram uma maneira de expressar o conteúdo das músicas ou a imagem dos artistas. Depois vieram os CDs e seus encartes, com muitas fotos. As capas mais bacanas para mim eram as feitas pelo fotógrafo inglês Anton Corbjin, que trabalhou entre outros com U2 e Depeche Mode. Posso dizer que o trabalho dele ocupa um bom peso da minha bagagem cultural.

Capa do álbum Achtung Baby, do U2, feita pelo Anton Corbjin em 1991. 

Hoje o Instagram popularizou o formato quadrado e a plicação de filtros.


Capa do álbum Exciter do Depeche Mode, também feita pelo Anton Corbjin, em 2001.

Foto feita por mim, com um iPod touch e usando o programa Instagram, em 2011.
Coincidência? Não, ressonância da paixão.

Mas não é só isso. O desenho dos carros é algo muito intrigante. Desde que vi um Corvette Stingray pela primeira vez, com uns 9 anos, me apaixonei por carros. As formas, contornos da carroceria, e os detalhes das peças como rodas, espelhos, faróis, grades, etc, muitos assim como eu enxergam obras de arte aí. São feitas por escultores! Verdadeiros artistas. E isso torna o automóvel algo que vai além de uma máquina de transporte.

Ao olhar para alguns carros tenho um sentimento que vem lá de dentro, algo difícil de descrever. É um prazer que associo a sensação de passar a mão num veludo. É uma euforia leve, que não causa um descontrole total e por isso é um prazer. Uma das vezes em que senti isso com uma intensidade mais forte foi ao fazer a foto do MG logo abaixo. Nesse dia, carro, cenário, sol, vento, momento, todos coincidiram  para atingir meu coração. No exato momento em que cliquei a foto abaixo eu estava sentindo isso. Uma paixão pelo belo, por um momento belo. Não é sempre que acontece isso.

MG TC 1949 fotografado em 2008, um momento especial !

Mas por que esse post? Porque ontem eu percebi claramente como essa bagagem vai se acumulando e com o nós a utilizamos e a transformamos mesmo sem ter a consciência disso.

Recentemente eu assisti o filme abaixo diversas vezes. Ele "falou" muito comigo. Atingiu a minha essência por várias razões. O fotógrafo num passeio solitário, o processo de design, o carro sendo esculpido e o resultado de tudo isso se materializando em algo incrível. Veja o vídeo que na sequência eu mostro o resultado que ele gerou. Reparem em como uma espada de São Jorge encontrada na mata se transformou no console central do carro.




Ressonance of Passion: a criação de um carro conceito.


Ontem eu e meus amigos Bob Sharp, Arnaldo Keller e Marco Strassen saímos para avaliar dois carros. Um Toyota Prius e um Peugeot RCZ. Comecei fotografando o RCZ de uma maneira bem convencional, o carro com o fundo branco de uma parede que não podia aparecer inteira por causa de uma porta que havia logo a frente do carro. Essa porta impediu o enquadramento que eu queria.

Nessa correria em conciliar trabalho, família, blogs, fotos, etc, não há muito tempo para pensar em algo muito elaborado ou em locações extraordinárias. Por isso eu desenvolvi o estilo casual, fotografo com o que tenho a mão, naquele momento, do jeito que dá. Às vezes consigo bons resultados, mas nem sempre. O perfeccionismo pode nos paralisar. Então, dada as condições e o objetivo das fotos eu já estava bem feliz com o resultado abaixo.

Peugeot RCZ

Porém bem atrás de mim havia um bambuzal, meio feinho até, que deixei para usar de fundo nas fotos do Prius. Um pouco mais ecológico do que uma parede branca combinaria melhor com um carro híbrido. Quando eu já estava para me levantar vi ao meu lado uma casca seca de bambu, bem enrolada. Depois de umas tentativas frustradas decidi encaixar essa casca ao redor da lente. Como resultado tive essa outra foto.

Aqui vale uma observação. Relutei um pouco, bem pouco, em fazer isso pois a chance de entrar poeira na lente e na câmera era grande. Mas a câmera tem uma função: fazer fotos. De que adianta ter uma câmera novíssima e ultra-conservada se ela não for usada ao extremo? Sempre digo isso aos meus companheiros de fotografia. Use sua câmera ao máximo, ela foi feita para isso!

Peugeot RCZ, com ressonância

Essa casca de bambu tinha quase o mesmo formato do console central do Lexus LF-LC do vídeo. E assim eu entendi perfeitamente como nossa bagagem adquirida ao longo da vida causa ressonâncias no que produzimos e em nossos destinos. Quanto mais estivermos abertos ao maravilhoso, mais coisas boas podemos produzir. Mas não pense que isso é fácil. Exige esforço, atenção, concentração, e acima de tudo, vontade!

PK

4 comentários:

Mauricio França disse...

Muito bom, parabéns!

Diego Menezes disse...

Você se descobriu fotógrafo!

Keller, foi você quem me inspirou a entrar no mundo da fotografia.

Paulo Keller disse...

Diego,

Fico muito contente com isso!
Adorei essa aqui: http://4.bp.blogspot.com/-f1QUp41-Hu0/UBCQ5IPw1cI/AAAAAAAAAUs/Vd0GQumV7R4/s1600/IMG_3302.jpg

E pelo visto seu blog está indo muito bem! Forte abraço.

PK

JT disse...

Paulo,
Você tem fotos magníficas. Somente hoje rolei a barra de seu blog para baixo e li o que escreveu. Penso que arquitetura e fotografia caminham juntas em muitos aspectos. Como arquiteto eu faço as minhas fotos sempre buscando uma perspectiva diferente ou que englobe o objetivo de forma eficiente.
Nunca fiz um curso, mas quando tinha uma Olympus OM 10 aprendi várias técnicas com um fotógrafo profissional. Algumas das minhas fotos pareciam cartões postais.
Infelizmente minha máquina digital não consegue reproduzir os recursos da velha Olympus e revelar filme hoje em dia é tentar usar ficha no orelhão.
Também sou do tempo do vinil e tenho um disco fantástico dos Beatles: a capa é toda branca, mas o encarte é uma obra de arte.
Abraços!
Jean