HARLEY-DAVIDSON: GOOD VIBRATION!

Post feito originalmente para o blog AUTOentusiastas. Leia AUTOentusiastas!


Tenho um amigo japonês, todo certinho, que recentemente comprou uma Harley, dessas maiores, com pára-brisa (argh!), bolsas laterais com taxas, e faróis auxiliares. Costumo brincar com ele, que para justificar um cara tão certinho ter uma Harley, ele não deve ser tão certinho assim, e deve ter um piercing no mamilo direito. Ele ri demais cada vez que falo isso. O cara é legal pacas!

Ele fala com tamanho entusiasmo de sua moto e vive sonhando com os passeios promovidos pelo HOG (Harley Owners Group – Grupo de Proprietários Harley). Seu olhos brilham quando ele fala! Já fez cursos de pilotagem e vive me explicando as regras para se andar em grupo. Escolheu essa moto grandona (para mim todas as Harleys grandes são muito parecidas e eu nunca lembro os nomes) para poder levar sua esposa na garupa. Mas acho que ela não tem piercing. Normalmente os homens é que precisam desse espírito de liberdade e aventura. Mulheres costumam ser muito mais bem-resolvidas. 

Como eu fiz 40 anos recentemente (tenho 42), comecei a sentir a necessidade de ter uma moto. Desde então fico ensaiando essa compra e costumo colocar outras prioridade na frente. Talvez para evitar os conflitos familiares que uma moto causaria. Mas tenho a impressão que qualquer dia vou chegar em casa de moto. Uma das minha dúvidas é qual eu gostaria de ter. 

Normalmente os muito entusiastas por carros não entendem muito de motos. É o meu caso, apesar de o meu pai ter tido algumas. A primeira que lembro era uma Sete Galo, Honda CB750 Four azul metálico, 1974, com a placa AS007 (agente secreto 007...). Depois veio uma CB 400 II bordô e mais tarde uma CBX750 já das nacionalizadas, preta. Nessa época, em 1990, roubaram a CB 400 II 1983 dourada do meu tio, que tinha uma Honda 1000 XX também.

A polícia recuperou a CB 400 II toda desmontada. Meu tio não quis nem ir buscar e a deu para o meu pai. Ele foi lá na polícia, pegou as peças e mandou montar. Foi aí que ganhei uma moto. Eu a tive por uns dois ou três anos. Mais tarde meu pai vendeu as duas, CBX e CBII e comprou uma Kawasaki Vulcan 750. Ficou uns seis anos com ela e após ter mudado para o Guarujá a vendeu depois que ela começou a se degradar com a maresia.

Quando eu comecei a namorar aquela que viria a ser minha esposa, meu pai me emprestava a CBX aos domingos de tarde. Imaginem só um garotão de 19 anos andando numa CBX! Desde aquela época eu sempre fui muito cuidadoso com motos. Para mim a frenagem de emergência numa moto é algo extremamente assustador. 

Mas o japa gente-fina conhece os concessionários e também o pessoal da própria Harley do Brasil. Então, nesse último sábado ele não só me convidou para um passeio mas também conseguiu junto à Harley uma moto de test drive. Uma para mim e outra para nosso outro amigo metro-sexual (rsrsrs). 

Eu tenho um pouco de aversão a tudo que é grupo de fanáticos. De torcedores de futebol a applemaníacos, acho isso uma tremenda falta do que fazer. E acho que esse pessoal harleiro é muito fanático. Eu jamais usaria uma marca para expressar minha personalidade ou me ajudar a dizer quem sou ou gostaria de ser. Então não entendo esses marmanjos com jaquetas da Harley, botas da Harley, lencinhos da Harley e até tatuagens da Harley! Todos achando que poderiam ser rebeldes ou livres. De certa maneira eu acho o ser humano muito pobre de espírito e atualmente entendo que isso é assim mesmo e não há mutio o que fazer. O mundo se nivela por baixo.

Jaqueta da marca
Bem, cheguei ao encontro na concessionária Autostar meio cético, mas com um grau de esforço para entender esse grupo e fazer companhia para meu amigo japa-legal. E também, é claro, para experimentar uma Harley. Talvez a parte que mais interesse aos leitores. Cheguei cedo e antes da concessionária ficar lotada de devotos pude olhar todas as motos. Três delas me chamaram a atenção.

Concessionária Autostar, o ponto de encontro
A mais bacana, talvez por ser a menos Harley de todas, é a Night-Rod, uma variação da V-Rod. Equivalente a um Corvette de duas rodas. Na outra ponta esta a Sportster 883, que equivale a um Camaro V-6. A Sportster 883 tem muitas variações e a mais recente, e que mais gostei, é a Iron 883. Talvez essa 883 seja a que mais reflete o espírito da Harley, pois ela é simples e despojada. No meio das duas há uma outra que eu também gostei, a XR1200X. E sabem porque gostei? Porque se parece muito com uma Kawasaki dos anos 70/80! Há outros modelos interessantes também, como uma Fat Boy toda preta.

XR1200R

Night Rod

A 883 Iron

Eu gostei da 883 desde a primeira vez que vi uma parada na rua. O estilão simples e despojado, sem frescuras, combina muito com o Mustang que tenho (só na minha cabeça). Quando o gerente da Autostar chegou para nos mostrar as motos disponíveis para test drive havia uma Iron 883 e uma Heritage Softail completíssima (com tudo que é badulaque). Eu de cara montei na 883! A Shakira, como o pessoal da Autostar chamou a Heritage, ficou com meu amigo metro-man. Não combinou com ele, mas a 883 combinaria menos ainda. 

A "minha" Iron 883
Alguém pode perguntar porque eu preferi uma moto com motor de 883 cm³ a uma de 1600 cm³. Simplesmente porque para mim o conjunto, que envolve também o estilo, prevalece sobre qualquer característica técnica. Se o conjunto é bom me basta. E tem outra coisa. Qualquer moto que tenha uma plataforma para apoiar os pés deveria ser chamada de scooter.

Não sou preparado para falar tecnicamente de qualquer Harley. Foi a primeira vez na vida que subi numa. Mas vou tentar passar um pouco das impressões que tive. 

Essa Iron é agora a mais vendida da Harley no Brasil. É uma 883R rebaixada, com um disco de freio a menos na frente, toda pintada de preto. Gostei muito do tanque preto fosco com o a marca Harley pintada, sem ser um emblema cromado e radiante. Muito minimalista. O painel de intrumentos tem apenas o velocímetro e luzes indicadoras. Adorei o seu posicionamento bem à frente, bem à vista. 

Iron 883, o tanque preto fosco
Logo que montei na moto todo mundo me disse que ela é pequena pra mim. Acredito que deva ser mesmo, até um pouco desproporcional. Mas me senti muito bem sobre ela. O banco é bem baixo e eu tenho pernas longas. Mas o posicionamento das pedaleiras é muito bom. Não é lá na frente. É no local tradicional, como nas outras motos que já dirigi. O guidão também é bem-posicionado, na altura certa. E o baixo centro de gravidade do conjunto, meus 110 kg mais a moto, é ótimo para manobras. Ela se mostrou bem ágil, essencial para uma moto a ser usada no dia a dia. A CBX 750 do meu pai era péssima para andar na cidade. Gostei muito da posição de pilotar da 883.

Iron 883, a roda também é diferente e mais legal que a raiada
Ao sair empurrando a moto sentado no assento, um colega logo disse: cuidado com as câimbras! Mal o fdp acabou de falar isso e minhas pernas travaram! Como o assento é baixo, o ângulo formado entre fêmur com o quadril com o joelho um pouco mais alto que o quadril causou uma dor bem na junção do fêmur com o quadril. Respirei fundo, mudei as pernas de posição, relaxei e pensei comigo mesmo que deveria evitar aquela condição. Dito e feito, mesmo inconscientemente tomei conta para não sentir mais dor ali. Até esqueci do episódio.

Saímos em direção a Sorocaba, pegando a Marginal Pinheiros e depois a Castelo. Aí senti falta do conta-giros. Minha impressão é de que esse motor não passa de 5.000 rpm. Conferi agora e o torque máximo é a 4500 rpm. Eu esperava algo bem mais esperto, um motor mais cheio e que necessitasse menos trocas de marchas, que são cinco. Acho que o meu peso é que deve estar errado! Imagine se minha mulher estivesse comigo. Mas andando a 100/120 km/h o acelerador até que responde bem. Apenas bem. 

Mas com essa moto não é bom passar dos 120 km/h, principalmente com ventos laterais ou de frente. Achei a frente dela um pouco solta, não me inspirou muita confiança. Mas para viajar na boa, a 100/110 km/h é muito segura. O problema é que quando os caminhões deixavam se abria um retão enorme na minha frente, e aí era muito difícil conter o espírito selvagem dos Mustangs galopantes que passeam pela minha cabeça. Dá para brincar, mas aquela sensação que a adrenalina nos causa aparece logo. O pior é que justamente essa sensação é muito gostosa.

Apesar dela ir bem na estrada ficou claro que sua vocação é mais para a cidade. O que para mim está ok. Pois quando comprar minha máquina eu vou querer usá-la com freqüência e não deixá-la guardada como um troféu.  Um dos usos que idealizo na minha mente é sair aos finais de semana para tomar um café com o primo AK e o BS. E também para ir trabalhar, principalmente nas fases de stress profundo.

Depois de uns 70 quilômetros rodados paramos num posto para esticar as pernas. Os colegas da Harley e o japa-amigo logo vieram saber do meu estado. Esperavam que eu estivesse quebrado. Mas como eu disse, a posição de dirigir dessa 883 é excelente. Eu estava apenas um pouco atordoado com a vibração constante e com o traseiro um pouco cansado. Eu disse para eles que estava com um desconforto no períneo. Eles não tinham a menor ideia de onde é isso eu tive que explicar!

E falando em vibração, eu sempre escutei que a Harley tem um padrão Harley de vibração, que isso é característica, que é o que os consumidores de Harley esperam de uma Harley, e blá, blá, blá... Um pouco de vibração até é legal. Pode dar prazer a muita gente. Mas eu não imaginava que fosse tanta. Em um certo ponto da viagem eu pensei que a minha 883 tivesse um motor diesel de D20!  Em certas rotações, que não pude identificar, as imagens vistas nos retrovisores eram apenas borrões. Quando eu notei isso eu sorri ao pensar que estava vivendo um momento Harley! E aqui, a única recomendação séria para a Harley: mudar os retrovisores da Iron 883. Tudo bem que a moto é minimalista, mas eles ficam muito para dentro e são praticamente inúteis pois mais da metade de seu campo de visão é obstruído pelos braços do condutor. Isso me deu medo! 

Não testei muito os freios. Como falei tenho pavor de frear forte em motos. Mas me pareceram ok. A suspensão, apesar de rebaixada não me maltratou. Apropriada. O pessoa da Autostar me disse que a 883R, mais alta, é melhor ainda. Acredito neles. Mas na estrada a 120 km/h por hora deve também aumentar a adrenalina.

Na minha avaliação, para se ter uma Harley dessas você tem que entrar no espírito, não pode ter frescuras, tem que curtir a imperfeição e soltar seus cavalos selvagens. Ainda acredito que tem muito harleiro que não tem a menor ideia do que eu estou falando. Principalmente os que gastam os tubos em logotipos e etiquetas com a inscrição Harley-Davidson. Eu adorei a moto pelo que ela é. Ela falou comigo. Mesmo eu ficando um pouco desproporcional em cima dela. Só não tenho ainda os 30 mil reais pedidos por uma zero-quilômetro. 


Night Rod

No caminho de volta um cara muito legal da Harley do Brasil me ofereceu sua Night Rod com motor de 1.247 cm³ e refrigerada a água (desenvolvido em parceria com a Porsche), o Corvette da Harley. Claro que aceitei! Assim que sentei na moto ele falou: "não vai correr!" Isso soou para mim como acelere até ficar com medo.

Saí com a moto esperando algo muito mais refinado, como numa moto japonesa ou européia. Mas como comparar um Corvette com um Lexus LF-A? Então quando percebi aquela vibração, a simplicidade e a brutalidade, típicas de muscle cars. Logo sorri novamente dentro do capacete e acelerei forte. Uma resposta fantástica! algo como se eu tivesse a potência de duas ou três 883. O curso do acelerador é muito maior, e a velocidade cresce com um intensidade amedrontadora. Ainda bem que quase não conseguia ver o mostrador, que fica bem recuado, um pouco fora do campo de visão (coisas imperfeirtas!). O que eu via era a parte de dentro da cobertura do farol, que deve ser de compósito de fibra de vidro e não tem acabamento algum. Apesar de achar estranho, eu gostei de mais essa imperfeição. 

Escapamento da Night Rod 

Night Rod, o Corvette Z06 da Harley
O fato é que meu medo chegou bem antes do fim de curso do acelerador. Aí eu lembrei da recomendação do dono! Outra coisa que me apavorou, pode ser pela falta de prática, foi fazer curvas de alta com essa moto. Sua posição de dirigir é diferente, os pés ficam lá na frente! Muito estranho para mim. Numa acelerada forte abri um pouco o pé direito. Senti o vento na sola do pé e a resistência do ar quase não me deixou voltar o pé mais para dentro. Enfim, coisas de muscle car! Coisas que gostamos!

Mas logo depois de uma curva de alta eu parei no acostamento e devolvi a moto ao amigo. Reconheço não ter a devida sanidade para andar numa moto tão estonteante quanto essa Night Rod! Fiquei feliz de voltar para a 883 que tem um limite bem menor que o meu, sendo assim, algo mais seguro. Que contrassenso!

A boa notícia é que essa Night Rod está sendo nacionalizada e será fabricada em Manaus. O preço deve baixar para a casa dos 50 mil reais (a confirmar).


O passeio

Saímos num grupo de pelo menos 200 motos. As motos ocupam uma pista em duas fileiras que se intercalam de modo que não se anda lado a lado. Isso aumenta bem a distância da moto da frente e deixa espaço para eventuais desvios. Funciona muito bem.

Logo percebi que andar de moto é péssimo para fotografar. Não dava para ficar parando e sacando a máquina. Senti falta do ar-condicionado, estava um calor de rachar. E também do som. E também de poder me mexer, me esticar, de falar no telefone pelo viva-voz, do cinto de segurança etc. Foi aí que me conscientizei que viajar de moto é uma experiência completamente diferente. Eu diria que é incomparável.

Uma das coisas que na moto é muito melhor do que num carro é o campo de visão. No carro vemos o mundo como numa tela widescreen. Na moto é como num cinema 360º!

Esses passeios são bons, principalmente para os que não tem muita prática. Há várias motos de apoio e até um carro com uma carreta. E como o grupo vai bem na maciota, é muito seguro. É bacana de ver aquela fila enorme. Todo mundo anda na boa, a uns 100 km/h. Sempre tem um espertinho ou outro, mas nada muito complicado. Na Castelo Branco havia muitos caminhões que nas ultrapassagens quebravam a fila de motos. E assim como alguns os motoristas de carros, alguns motociclistas também são meio lerdos demais. Então eu acabei me irritando um pouco de andar nessa fila. Mas logo chegamos ao destino: o restaurante do Alemão em Sorocaba.

As grandonas. Devem ser confortáveis para viagens longas
Lá deu para sentir bem o clima do passeio. Muito familiar, com muita gente bacana e num clima muito legal. Acho que poucas marcas conseguem ter uma aura tão grande ao seu redor e reunir tanto as pessoas. Quem compra uma Harley está comprando isso junto. Entendo que esse tipo de confraternização enriquece a vida dessas pessoas. E em troca a Harley ganha uma legião de consumidores de seus produtos. Tem até mesa de bilhar da marca!

Outra coisa que me disseram e eu pude constatar é que não existe uma Harley igual a outra. Cada uma tem o toque do seu dono, que sempre instala alguns acessórios de uma infinidade disponível.

Olhando pelo lado positivo, a empresa gera felicidade para as pessoas. E isso é muito legal. Mudei totalmente minha opinião sobre esses grupos. Mas isso não faz muito meu estilo. Prefiro colocar uma mochila nas costas e descobrir caminhos por aí, sozinho ou com um ou dois amigos que me acompanhem e me aturem. Talvez participasse desses passeios com minha esposa. Ela iria gostar do clima.

"Viva para rodar, rode para viver", o lema da Harley
Uma curiosidade é que o HOG, que organiza esses passeios, não barra participantes com motos de outras marcas. O clima é super amistoso mesmo. E depois participar de um ou dois passeios com uma marca estranha acho que os donos dessas marcas tendem a querer comprar uma Harley. Boa estratégia.

Gostei do que vi e agora entendo por que o japa-certinho anda tão empolgado com sua moto! E minha vontade de ter uma moto aumentou.

Obrigado ao meu amigo, ao pessoal da Autostar e ao pessoal da Harley por um sábado tão diferente e tão bacana.

PK

Outras fotos,










Nenhum comentário: